A primeira vez que falei em uma língua estrangeira foi durante uma viagem à Itália, quando eu tinha 12 anos. Estávamos meus pais, meus irmãos e eu em Veneza, andando à beira dos canais, quando uma turista chega perto de mim e me perguntou onde ficava a Praça de São Marcos. Para minha surpresa, eu entendi o que ela queria e soube responder (provavelmente a única coisa que eu conhecia na cidade era justamente esta praça)! Lembro até hoje da cara da minha mãe me questionando: o que ela queria com você? E da expressão de surpresa dela quando lhe contei orgulhosa que eu tinha conseguido responder!
Nunca tinha pensando, até então, que as minhas aulas de inglês na escola tinham verdadeiramente uma função prática. Porém, foi a partir deste dia que me apaixonei pelo estudo de línguas estrangeiras. Obviamente não sabia na altura que eu me casaria com um "gringo" e que anos mais tarde viveria fora do Brasil. E também não sabia, ao escolher fazer um mestrado exatamente na área do bilinguismo, que eu teria filhas bilíngues.
Mas fato é que agora estou aqui, com duas filhas (uma de 4 anos e outra de 13 meses) que falam dois idiomas.
Confesso que é uma experiência rica, mas ao mesmo tempo, cansativa. Tenho sorte, no entanto, por ter um marido que domina perfeitamente os dois idiomas. Assim, a minha comunicação com as meninas não é vista com maus olhos por ele, pois é bem mais difícil tentar falar só no idioma nativo com os filhos, quando o pai não entende patavinas do que você está falando...
Aqui em casa escolhemos o método "one parent one language", isto é: eu falo exclusivamente em português com as meninas e ele alemão. Muitas vezes temos conversas altamente malucas em que eu falo com a Sophia em português, ela quer perguntar algo pro pai, traduz o que eu acabo de dizer pro alemão, o pai responde, ela traduz para o português para mim, com uma naturalidade desconcertante, e assim seguimos conversando. Mas como tanto o pai é fluente em português quanto eu em alemão não nos importamos de conversar desta maneira. Com isso a Sophia domina muito bem as duas línguas.
Ainda que tenha à disposição livros, DVDs, CDs e joguinhos tanto em português quanto em alemão, é esta última a língua que Sophia realmente domina, afinal moramos aqui e fora o input que ela recebe de mim, todo o resto vem em alemão: escola, família (do pai), televisão, rádio, etc. Ainda não passamos pelo desafio da alfabetização, mas meu objetivo é que ela também seja alfabetizada em português. Na verdade, ela já está escrevendo algumas palavrinhas e lê todas as letrinhas, mas não tenho incentivado mais pois acredito que ela deva ser alfabetizada primeiramente em alemão. Então a parte de leitura e escrita bilíngue vai ter que ficar para um post futuro.
Nem sempre a fluência nas duas línguas foi igual. Passamos por uma fase, quando a Sophia tinha 2 anos, em que ela só me respondia em alemão. Nunca deixei de conversar com ela em português e também não fingia não entender o que ela estava me perguntando. Nesta idade, em que o ato de falar ainda estava se consolidando, não queria exercer cobranças muito grandes, pois sei que isso poderia atrasar o desenvolvimento da fala como um todo. O que fiz foi ir para o Brasil. Lá ela pode brincar e interagir em português com naturalidade e como o meio realmente não a entendia, ela se viu forçada a se comunicar em português. O contrário também já aconteceu. Voltamos de férias prolongadas do Brasil e ela não queria mais se comunicar em alemão. No entanto, umas duas semanas depois tudo voltou ao "normal".
Um conselho, aliás, que sempre dava aos pais dos meus antigos alunos (trabalhei por alguns anos em uma escola bilíngue alemão/português) era: não desista e não misture. Não comece a falar em outra língua porque seu filho não está respondendo "corretamente". E não tenha vergonha de falar no seu idioma em público. Traduza depois para quem estiver ouvindo a conversa, se for o caso, mas continue falando normalmente com o seu filho. Com a Sophia isso agora é tão natural, que se tento falar com ela em alemão, ela não aceita. Ela me pergunta logo porque estou falando com ela "esquisito". Então, até na escola converso com ela em português.
No entanto, nem sempre é fácil a aceitação dos alemães. Percebi que a aceitação depende muito do nível educacional da pessoa. Pessoas instruídas aplaudem os esforços bilíngues dos estrangeiros. Já me aconteceu, porém, de estar andando na rua (e falando com uma amiga portuguesa) e um senhor idoso gritar em nossa direção: vocês estão na Alemanha, falem alemão! A questão da imigração e da integração é um assunto muito debatido por aqui, embora nem sempre abertamente. Como há muitos imigrantes há também muito preconceito e medo de que os estrangeiros tirem os empregos dos alemães. Muitas famílias, com medo de não serem aceitas, com medo do preconceito, acabam optando por abrir mão da língua materna quando as crianças entram na escola, mas o resultado tem sido, algumas vezes, catastrófico: crianças que não são capazes de se comunicar perfeitamente em nenhum idioma - o chamado "seminlingualism".
Na minha família a questão do bilinguismo é bem aceita. Meus pais morrem de orgulho de verem a netinha falando tão bonitinho um outro idioma e meus sogros entendem que é importante, ainda que de vez em quando eu ouça algum comentário do tipo: a Sophia não está pronunciando bem os "Rs", será que ela não está sobrecarregada tendo que aprender duas línguas simultaneamente? Pra minha sorte nunca passou disso e eu sempre deixei bem claro que eu não admitiria intromissões neste quesito da educação das minhas filhas. Sempre frisei muito bem que faço questão que elas aprendam a minha língua da melhor maneira possível e que estou certa de que estou lhe dando o melhor presente para o seu futuro: o bilinguismo.
Cansei de me deparar com pessoas que poderiam ter sido bilíngues e que não eram, por motivos diversos, e que estavam tentando recuperar o tempo perdido aprendendo português na universidade, ou através de aulas particulares. O comentário mais frequente era: ah que pena. Ai que desperdício... E é isso mesmo. Pra que desperdiçar esta oportunidade única?
Voltando ao começo do meu post: eu tive esta sensação de prazer em perceber que entendia dois idiomas com 12 anos e não era bilíngue. Minha filha com apenas 4 já vem lidando com esta questão desde que nasceu. No começo ela não sabia o que eram línguas estrangeiras, para ela existiam "o jeito da mamãe falar e o jeito do papai". Durante muito tempo ela generalizou e achava que mulheres falavam português e homens alemão. Sempre. Sem exceções. Nesta fase o meu pai suou um pouco pois Sophia se recusava a falar com ele em português :-) Agora, ela já sabe que pessoas falam línguas diferentes, já estuda inglês na escolinha e fala com todo o orgulho do mundo que sabe se comunicar em dois idiomas. Então acho que estamos no caminho certo. Helena fala pouco, mas o que fala já sai em duas línguas também.
Torço para que algum dia minhas filhas também possam passar este presente tão rico adiante...
Este post faz parte de uma blogagem coletiva do grupo
Mães Internacionais. Se quiser saber mais sobre o bilinguismo em outros países é só clicar!